CADÊ A ABUNDÂNCIA? Reservatório
do Sistema Cantareira em Bragança Paulista. A crise mostra como o país precisa
mudar a forma como lida com a água (Foto: Luis Moura/Estadão
Conteúdo)
O artigo abaixo é de autoria de
Bruno Calixto e Aline Imercio e foi publicado pela revista ÉPOCA.
Crise
da água em São Paulo: Quanto falta para o desastre?
O que acontecerá com as torneiras
de São Paulo – e o que ensina a pior crise de água da maior metrópole do país
BRUNO CALIXTO E ALINE IMERCIO
Verão de 2015. As filas para
pegar água se espalham por vários bairros. Famílias carregam baldes e aguardam
a chegada dos caminhões-pipa. Nos canos e nas torneiras, nem uma gota. O
rodízio no abastecimento força lugares com grandes aglomerações, como shopping
centers e faculdades, a fechar. As chuvas abundantes da estação não vieram, as
obras em andamento tardarão a ter efeito e o desperdício continuou alto. Por
isso, São Paulo e várias cidades vizinhas, que formam a maior região
metropolitana do país, entram na mais grave crise de falta d’água da história.
A cena não é um pesadelo
distante. Trata-se de um cenário pessimista, mas possível, para o que ocorrerá
a partir de novembro. Moradores de São Paulo sentem, hoje, o que já sofreram em
anos anteriores cidadãos castigados pela seca em Estados tão distantes quanto
Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Pernambuco. A mistura de falta de
planejamento, administração ruim, eventos climáticos extremos e consumo
excessivo ameaça o fornecimento de água em cidades pelo Brasil todo. O episódio
ensina lições aos governos. E exige respostas para perguntas que todo cidadão
deve fazer a si mesmo e aos candidatos nas próximas eleições.
COMO A CRISE SURGIU?
A crise em São Paulo é, em parte,
consequência da falta de água nas cabeceiras de rios que abastecem o Sistema
Cantareira. Trata-se de um conjunto de represas responsável por abastecer 9
milhões de habitantes na Grande São Paulo. Todo esse sistema depende das chuvas
do verão. Em anos normais, nos meses secos e frios, de junho a agosto, a
precipitação é de menos de 150 milímetros. Isso é, normalmente, compensado no
primeiro trimestre, que soma cerca de 600 milímetros. Desde o ano passado, as
chuvas não vêm no volume esperado. “A maioria dos meses de 2013 já havia
registrado níveis de pluviosidade abaixo da média dos últimos 30 anos”, diz o
meteorologista Marcelo Shneider, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
“A situação ficou pior a partir de outubro e novembro. Foi um clima anômalo em
todo o Sudeste, não apenas na Cantareira.” Nos três primeiros meses de 2014, em
vez dos esperados 600 milímetros, caíram menos de 300 milímetros.
O governo estadual põe a culpa na
falta de chuva, mas ela não explica a história sozinha. A estiagem deste ano
apenas tornou evidente quanto o sistema é frágil e quão escassa a água é, mesmo
num país tropical. O Sistema Cantareira existe desde a década de 1970. Ele retira
água das bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Em 2004, a Sabesp
(empresa de abastecimento da capital e de outras cidades) fez obras, aumentou o
volume do Sistema Cantareira e renovou sua autorização para administrá-lo. O
governo estadual permitiu a retirada de 36.000 litros de água por segundo, a
maior parte destinada à Grande São Paulo. Esse volume de extração, segundo
Antonio Carlos Zuffo, hidrólogo da Unicamp, supera o recomendável para a
capacidade das represas. “Quando a outorga foi renovada, o governo subiu o
volume de litros que poderia ser retirado com a condição de que fossem feitas
mais obras para aumentar a capacidade de armazenamento das represas. E elas não
ocorreram no ritmo previsto”, afirma.
A renovação da outorga previa a
revisão de estudos hidrológicos, a criação de um plano de contingência para
situações emergenciais e ações para reduzir a dependência que São Paulo tem do
Sistema Cantareira. Nem todas as ações planejadas foram colocadas em prática. O
problema chamou a atenção do Ministério Público. A promotora Alexandra Martins
acredita que o poder público não deu a devida atenção ao caso. “Detectamos uma
série de problemas no cálculo da destinação de água a cada área. A população
cresceu muito e o volume não foi ampliado nos últimos 30 anos”, diz.
Questionada por ÉPOCA, a Sabesp respondeu que fez as obras necessárias.
LIÇÃO: não permitir que as obras
parem. Para financiá-las, muitos países definem multas para quem polui ou
consome em excesso. A Sabesp defende a isenção de impostos para empresas que
invistam na manutenção e expansão do sistema de abastecimento. Parcerias
público-privadas podem ser usadas para obras de esgoto e fornecimento de água.
COMO A CRISE PODERIA SER EVITADA?
São Paulo já passou por momentos
climáticos extremos antes. Em 2004, o nível do reservatório do Sistema
Cantareira ficou abaixo dos 30%. A Sabesp iniciou então um racionamento de água
por rodízio de bairros. Fez obras para acessar o que era, até aquele momento,
uma reserva de emergência. Trata-se da água que fica abaixo do ponto de
captação nos reservatórios, conhecido pelo termo “volume morto”. Nos anos
seguintes, por sorte, os reservatórios voltaram a encher.
Em 2011, experimentamos o extremo
oposto. Fortes chuvas atingiram a região. As comportas dos reservatórios
precisaram ser abertas para liberar o excesso de água. “Havia um nível superior
a 100% no sistema, algo nunca antes registrado”, diz Francisco Lahóz,
secretário executivo do consórcio PCJ (Consórcio Intermunicipal das Bacias dos
Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí).
LIÇÃO: não podemos mais
desperdiçar chuvas como em 2011. As represas devem ser capazes de armazenar
mais água nos anos de abundância. Os sistemas devem prever alternâncias mais
extremas de chuvas e secas. Construtoras, fábricas e grandes edifícios têm de
adotar coleta da água da chuva.
COMO ENFRENTAMOS A ESCASSEZ?
O consórcio de águas PCJ escreveu
os “25 mandamentos da estiagem”, em fevereiro. O documento vem inspirando
medidas de reação à seca. Duas cidades, Valinhos e Vinhedos, decretaram
racionamento. As regiões de Campinas e Americana adotaram multas para os
gastadores. Prefeituras têm cadastrado os caminhões-pipa. “São Paulo ainda tem outras opções de
reservatórios, caso o volume morto do Cantareira seque. A região do PCJ não
tem”, diz Lahóz.
Em São Paulo, a Sabesp tomou
quatro medidas emergenciais para evitar o racionamento: redução de tarifa para
quem reduzir em 20% o consumo; obras que trazem águas de outras represas (do
Sistema Alto Tietê e de Guarapiranga); a instalação de 17 bombas flutuantes,
que extraem água do volume morto; e uma campanha nas rádios e TVs, para
convencer a população a economizar água. A quantidade de água retirada dos
reservatórios do Sistema Cantareira caiu de 31.000 litros de água por segundo,
antes da crise, para 23.000 litros por segundo, em maio. De acordo com Ivanildo
Hespanhol, diretor do Centro Internacional de Referência em Reúso da Água, as
medidas emergenciais são boas, mas insuficientes para lidar com o problema no
longo prazo.
LIÇÃO: crises de abastecimento de
água envolvem várias cidades. Elas ocorrerão. Os comitês de gestão de bacias
têm de funcionar de verdade. O “empréstimo” de água entre Estados, como o
solicitado por São Paulo ao Rio em abril, tem de ser regulamentado. O Estado
doador deve ser compensado.
O QUE ACONTECERÁ?
Os modelos de meteorologia não
conseguem mostrar, com precisão, como será o próximo verão nas nascentes do
Sistema Cantareira. O mais provável, pelos dados atuais, é que chova algo
abaixo da média. Nesse cenário, o volume de água das represas se recupera um
pouco, mas não passa dos 40%. Isso evitará a situação de emergência no próximo
verão, mas não afastará o problema para os anos seguintes. A Sabesp precisará,
portanto, manter os bônus para quem economizar água e talvez aplicar multas a
quem desperdiçar. Há também cenários otimistas. A formação de um El Niño – um
aquecimento cíclico das águas do Oceano Pacífico com efeitos no mundo todo –
poderia trazer mais chuvas para a região. Isso já aconteceu no El Niño de
1982-1983. Mas é pequena a chance de isso se repetir. Segundo Zuffo, da
Unicamp, o Sistema Cantareira tem condições de se recuperar da seca prolongada
se o regime de chuvas normalizar nos próximos cinco a dez anos. “Se chover, e
se o consumo não for maior do que o sistema aguenta, os reservatórios conseguem
se recuperar a uma taxa de 10% a 20% ao ano”, diz. “Se não chover, o
abastecimento será comprometido. Enfrentamos um risco grande.” E mais: no ritmo
atual, em 30 anos São Paulo precisará de mais 25.000 litros de água por segundo
– praticamente um novo Sistema Cantareira.
LIÇÃO: as autoridades podem
tornar o consumo mais racional por meio de campanhas. É recomendável dar bônus
e descontos que compensem a compra de equipamentos que economizem água. A conta
d’água pode também mostrar aos perdulários que eles gastam mais que a média das
famílias da mesma área ou do mesmo tamanho.
O artigo original de ÉPOCA poderá
ser visto por meio do seguinte link:
Que Deus abençoe e tenha
misericórdia de todos.
Alexandros Meimaridis
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