O material abaixo foi publicado
pelo site da Revista ISTOÉ.
Os
beatos que atraem multidões
Quem são os videntes católicos
que afirmam ver e conversar com Maria e reúnem milhares de pessoas pelo País
Helena Borges
(helenaborges@istoe.com.br)
Aos 43 anos, o advogado carioca
Pedro Siqueira tem, à primeira vista, um cotidiano comum. Casado, pai de um
menino de 3 anos, ele trabalha na Advocacia-Geral da União (AGU), é fã de
esportes e enfrenta diariamente os problemas de quem vive em uma grande cidade.
A diferença é que Siqueira afirma ver e falar com Nossa Senhora. O advogado
chega a reunir dez mil pessoas em celebrações nas quais reza o terço e profere
mensagens que são atribuídas a Maria. E ele não é o único. No interior do
Espírito Santo, a pacata cidade de Serra, com pouco mais de 400 mil habitantes,
também virou ponto de peregrinação porque no jardim de uma casa são recolhidas
folhas com desenhos e mensagens feitos por formigas a pedido de Nossa Senhora,
segundo Maria Aparecida D’Ávilla, 56 anos, que cuida do santuário. Dona de
casa, ela diz que vê e fala com a Virgem nas situações mais corriqueiras, como
durante as compras no supermercado. Na Bahia, Pedro Regis, 45 anos, é seguido
por multidões de até 50 mil pessoas quando narra, em tempo real, palavras que
afirma receber da mãe de Jesus. Casado e pai de duas filhas, ele já deu
palestras sobre o fenômeno na França, em Portugal e Israel. Juntos, esses três
videntes lideram, ao ano, peregrinações de mais de um milhão de fiéis pelo
Brasil.
Além da particularidade do contato
direto com a mãe de Jesus, eles têm em comum o fato de serem católicos
“leigos”, que não fazem parte da hierarquia da Igreja. Isso não quer dizer que
entrem em conflito com padres ou bispos. Ao contrário, costumam contar com a
compreensão dos representantes oficiais. O papa João Paulo II (1920-2005), por
exemplo, era devoto de Nossa Senhora de Fátima, à qual se referia como “Senhora
da Mensagem”. O pontífice chegou a se encontrar com Irmã Lúcia (1907-2005), uma
dos três jovens que dizem ter visto Maria na Cova da Iria, em Portugal, em
1917. Já o papa Francisco não se diz contra, mas adota uma postura mais
cautelosa em relação aos videntes. “Eventos extrassensoriais acontecem. Há inúmeros
relatos de pessoas que os sentem ou presenciam. Ninguém os pressupõem”, afirma
dom Aldo di Cillo Pagotto, arcebispo da Paraíba.
O carioca Siqueira diz ver Nossa
Senhora desde criança. Segundo o advogado, ela surge de uma janela espiritual
que se abre no teto, veste bata e véu em tons claros, tem os pés descalços, os
cabelos escuros e mantém o olhar muito sereno. Em volta dela, anjos e uma aura
colorida descem até o plano terreno, sem tocar o chão. Essas experiências já
renderam três livros sobre fé católica e suas vivências espirituais.
Para não confundir a intenção de
ajudar o próximo com a pretensão de ser considerado um clérigo ou santo, o
baiano Pedro Regis faz questão de ter um padre ao seu lado sempre que organiza
suas orações. Regis conta que muitas pessoas relatam curas de doenças ou
resolução de problemas após irem aos encontros promovidos por ele. “Mas se teve
algum milagre, foi de Nossa Senhora. Sou apenas um instrumento. Sou pecador,
como todas as pessoas”, diz. Nesses eventos, uma cruz é carregada pela multidão
e, após as orações, ele repete o que afirma ouvir de Maria. As aparições
começaram aos 18 anos, quando Regis passou mal na rua e uma jovem o ajudou a
voltar para casa – ela seria Maria. Desde então, ele contabiliza ter recebido
mais de quatro mil mensagens da mãe de Jesus.
Na região metropolitana de
Vitória (ES), Serra também virou local de peregrinação. Lá, em um jardim, que
já ganhou fama de santuário, as folhas caem na grama e são atacadas por
formigas, que formam com suas pequenas mordidas desenhos do perfil de Nossa
Senhora ou mensagens creditadas a ela. O acontecimento já levou zoólogos da
Universidade Federal do Espírito Santo a realizarem testes nos rastros deixados
– eles concluíram que o tipo de marca não é característica de uma mordida de
formiga, mas sim de perfurações por objetos pontiagudos. A dona de casa
capixaba Maria Aparecida, destinatária das mensagens deixadas nas folhas,
afirma ver Maria em diferentes situações. “Ela é de poucas palavras, mas é
brava. De vez em quando fico até sem graça, porque bem no dia em que as folhas
são lidas na missa ela me manda uma mensagem de correção”, diz, referindo-se às
celebrações realizadas na igreja ao lado do jardim. Duas vezes por mês algumas
folhas são lidas por um padre.
A igreja tem uma postura
cautelosa em relação aos videntes. Quando aparecem relatos de fiéis que viram e
ouviram santos e anjos ou receberam revelações da Virgem Maria, o bispo da
região designa uma comissão para analisar o caso, composta por padres,
psicólogos e médicos. Observam-se, então, as condições psicológicas e de saúde
da pessoa e se o tipo de mensagem que ela está passando vai ao encontro dos
princípios cristãos. Só após esse processo, que leva anos, o Vaticano se
posiciona a favor ou contra a “credencial”. O coordenador do curso de
pós-graduação em ciência da religião da Universidade Federal de Juiz de Fora,
Emerson Silveira, afirma que não é possível falar de um católico brasileiro com
um perfil único. “Há aqueles ligados à Teologia da Libertação e às Comunidades
Eclesiais de Base, que colocam em segundo plano ou não prezam a crença em
milagres e intervenções de santos, anjos ou Virgem Maria”, diz. Se as mensagens
são reais ou não, afirma Silveira, quem julga é a multidão que os segue. O
teólogo Afonso Murad, doutor pela Pontíficia Universidade Gregoriana, em Roma
(ITA), conta que esse tipo de contato com o divino é aceito com maior
facilidade no País pela influência do movimento carismático forte. Mas essa
abertura não é necessariamente 100% positiva, já que é preciso ter crivo para
aceitar ou refutar algum evento como milagre. “Quando aparecem videntes
fanáticos, com mensagens apocalípticas e moralistas que não estão em sintonia
com o evangelho e a caminhada da Igreja, não devem ser aceitos como legítimos.”
Foto: Pedro Dias/Ag. Istoé, Airam Asil; Gabriel Lordello/Mosaico Imagem; PAULO NOVAIS/EFE; Manuel Romano/NurPhoto; Jeremy Horner/Getty Images
O artigo original do site da
ISTOÉ poderá ser visto por meio desse link aqui:
OUTROS ARTIGOS ACERCA DA IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
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