Papa: Na Catedral de Nápoles, dia
21 de março, Francisco sofre o ataque das freiras de clausura liberadas para a
ocasião
O material abaixo foi publicado
pelo site da Revista Carta Capital
Internacional
Entrevista - Dom Matteo Zuppi
"A
mensagem de Francisco é absolutamente subversiva"
Bispo auxiliar comenta a ação do
papa para a renovação da Igreja, na qual enfrenta a resistência dos
tradicionalistas.
Por Claudio Bernabucci, de Roma
Segundo o direito canônico, o
papa adquire a potestade universal sobre a Igreja Católica ao ser eleito bispo
de Roma e sucessor de São Pedro. O cuidado cotidiano da diocese romana,
todavia, é delegado ao cardeal vigário e aos bispos auxiliares. Dentre eles dom
Matteo Zuppi, ordenado por Bento XVI em 2012, tem a responsabilidade de
supervisionar paróquias e igrejas do centro da cidade. Atento ao diálogo com a
cultura laica e companheiro de importantes batalhas comuns, dom Matteo, 59
anos, tem um passado marcado pelo compromisso ao lado dos pobres e dos
marginais, em que se destacam as experiências como pároco da Igreja de Santa
Maria, em Trastevere, e como negociador internacional no processo de paz em
Moçambique.
CartaCapital:
Graças à sua experiência pastoral e a seu atual cargo, muito próximo dos
vértices vaticanos, o senhor é a pessoa ideal para interpretar o significado da
reforma da Cúria que Francisco está promovendo. Qual é a sua visão desse
processo?
Matteo Zuppi: Seria um erro
considerar a reforma como mera questão administrativa, visando redimensionar e
agilizar a Cúria. Eu acredito na aposta em uma mudança espiritual. Francisco
incita a Cúria, em primeiro lugar, a liberar-se de algumas distorções,
definidas como doenças espirituais, que são provocadas pelo isolamento. Quando
a Igreja se fecha, ele afirma, adoece. A esse propósito, o discurso mais claro
e, por alguns aspectos, mais intransigente do papa foi aquele dirigido à Cúria
na véspera do Natal, no qual ele listou 15 doenças espirituais. Ele afirma que
a Cúria deve ser uma casa de espiritualidade e misericórdia, um corpo que
aplica as escolhas evangélicas. Se nós viramos uma corte, caindo naquelas
deformações que o papa indica (indiferença, vaidade, exibicionismo, dupla vida,
maledicências etc.), juntamente com a perda de qualquer credibilidade, não
teremos mais nada a dizer ao mundo. A reforma que o papa Francisco visa,
portanto, é um processo profundo de mudança estrutural. Não só de pessoas nos
diferentes cargos, mas de estilo e perspectiva.
CC: Em recente entrevista, o papa falou da Cúria como a última
corte da Europa. Uma afirmação muito forte, que transmitiu ao mundo inteiro a
ideia de um corpo em profundo isolamento aristocrático em relação aos fiéis.
Como o senhor acha, então, que Francisco, ao ser eleito, encontrou a Cúria
Romana?
MZ: O estado da Cúria está
refletido naquela descrição das 15 doenças espirituais, que foram explicitadas
de maneira muito franca, não para castigar alguém em particular, mas para
exercer espírito construtivo em relação a uma corporação humana, como a Cúria
é, que precisa reencontrar o caminho certo. Evidentemente, Francisco está muito
preocupado com essas degenerações, mas, com o espírito positivo que o
caracteriza, está também esperançoso numa possível renovação.
CC: É evidente, para quem acompanha a evolução deste pontificado,
que Francisco é muito amado pelas pessoas comuns, que são tocadas pela sua
radical proximidade e se identificam com seu estilo simples e franco. Pelas
mesmas razões, ele parece muito menos amado por alguns setores da Igreja. Eu
conheço paróquias aqui em Roma que aplicam com muito entusiasmo o ensino do
papa e outras que parecem fechadas nas próprias antigas e imóveis certezas. Com
base em sua experiência, de onde nascem tais resistências?
MZ: Alguns padres têm dificuldade
de acolher o recado de Francisco, por serem prisioneiros de uma concepção de
Igreja fechada, tomados por aquelas deformações eclesiásticas de que falamos.
Outros se contrapõem sem se contraporem, ativando uma espécie de greve branca.
Para superar essas atitudes, nasce o estímulo do papa à clareza e ao falar
franco. O método que ele propõe é o do comprometimento: implica o diálogo
aberto, a procura constante da comunhão fraterna, que põe de lado as certezas
dogmáticas para crescermos mutuamente e nos mantermos sempre vigilantes. Uma
confrontação permanente para evitar a esclerose das consciências.
Matteo Zuppi, bispo auxiliar de
Roma
CC: No estilo ou no conteúdo da ação papal, o que mais incomoda a
quem resiste?
MZ: A procura, sua inquietação
espiritual. Para aqueles que acham tudo já claro, esse é exercício inútil. A
doutrina está clara, eles afirmam; trata-se apenas de vivê-la. Mas é exatamente
através da vida que constatamos que as pessoas estão distantes da nossa
doutrina tradicional e por isso temos de nos interrogar. Há certos padres que
preferem a regra, para depois fazer o que lhes agrada. Eles acham que a atitude
do papa nos torna inseguros e vulneráveis. Ou submissos à mentalidade corrente.
Estão errados: o desafio é como apresentar as verdades de sempre aos homens de
hoje, que as consideram distantes.
CC: Em outros termos, o senhor está dizendo que a Cúria, ou seja, o
governo da Igreja, tornou-se, com o tempo, doente de todos aqueles males
humanos de autorreferência e conservadorismo, minando assim sua natureza de
instrumento a serviço da missão da Igreja...
MZ: Sim, certamente.
CC: O papa chegado “do fim do
mundo” introduziu como nunca a questão da pobreza na reflexão da Igreja,
redescobrindo a mensagem evangélica por excelência. Qual é a sua visão em
relação a essa escolha?
MZ: Duas questões, a da teologia
do povo e a das pobrezas (ou das periferias, incluindo as periferias
existenciais), são cruciais para Francisco. Tocar os pobres e chorar com eles
são posturas em que o papa insiste muito. Não se trata de uma questão pastoral,
mas de mudar o nosso espírito para encontrar essa atitude nova. Para evitarmos
virar funcionários da caridade, e sim para ser peregrinos cheios de compaixão
por uma humanidade desesperada, que os pobres representam fisicamente. Além
disso, com o nome Francisco escolhido por ele, não é possível esquecer os
pobres.
CC: Podemos afirmar, então, que a Igreja, historicamente
eurocêntrica, fez uma escolha clarividente e irreversível com a eleição de um
papa do Sul do mundo?
MZ: A Igreja tem sido
eurocêntrica sobretudo na gestão pastoral e na elaboração teológica, mas hoje
não é mais assim. Penso no papel da Ásia, da África, da América Latina.
Finalmente, nos demos conta disso. Buscamos agora uma Igreja com articulação
diferente. Não devemos nutrir temores, porque isso representa o futuro.
CC: Cada vez que Francisco fala dos males da sua Igreja, parece que
fala dos males do mundo. Observo uma fortíssima sincronicidade. Pelas suas
declarações, não parece que o papa gosta da ordem das coisas existentes, e o
manifesta com muita força...
MZ: Ele não gosta de jeito algum.
Entre suas reflexões prioritárias, que Francisco repete incansavelmente nos
discursos (como a globalização da indiferença, a divinização do dinheiro como
manifestação do demônio, a cultura do descarte), a escolha dos pobres e para os
pobres é fundamental. Essa me parece uma verdadeira revolução. Trata-se de
recolocar os pobres no centro e defendê-los com compaixão e misericórdia. Essa
é uma inversão de perspectiva muito corajosa que muda nossa relação com o
mundo.
CC: Então, quando Francisco é hostilizado por certos ambientes, as
chamadas elites conservadoras, que o definem como “comunista” para demonizá-lo,
podemos observar que, de certa maneira, esse combate tem sentido, porque a
mensagem que Francisco está dirigindo ao mundo é subversiva...
MZ: Efetivamente, a mensagem de
Francisco é absolutamente subversiva. Por exemplo, na redefinição da função e
do significado da riqueza material.
CC: Qual é sua interpretação da escolha do papa de convocar para os
próximos meses um Jubileu extraordinário, apenas 15 anos após o anterior?
MZ: A decisão de convocar o Ano
Santo no mesmo dia (8 de dezembro) em que foi fechado o Concílio Vaticano II,
50 anos atrás, e dedicá-lo à misericórdia indica com clareza o convite a dar
continuidade àquele evento. A verdadeira escolha do Concílio e hoje, de novo,
de Francisco é a misericórdia: não julgar, não cobrar o próximo, construir uma
Igreja mãe e não madrasta. Será um Jubileu de meditação.
O artigo original do site da
Carta Capital poderá ser visto por meio do seguinte link:
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Alexandros Meimaridis
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