Essa série pretende
disponibilizar as informações mais importantes acerca de cada um dos 27 livros
que compõem o Novo Testamento. Desde que lançamos nossa série de Introdução ao
Antigo Testamento, muitos leitores têm nos questionando acerca de algum
material semelhante com respeito ao Novo Testamento. Então, aproveitando que
iniciamos uma série de estudos acerca dos manuscritos do Novo Testamento —
tecnicamente chamada de “baixa crítica” — estamos usando essa oportunidade para
lançar uma série que trate também do texto do Novo Testamento em si, e da
interpretação geral do mesmo — “alta crítica”.
I. OS EVANGELHOS
C. OS MOTIVOS PORQUE OS
EVANGELHOS FORAM ESCRITOS
Como pretendemos discutir os
propósitos que levaram à produção de cada um dos evangelhos de forma
independente, quando estudarmos cada um deles especificamente, nosso interesse
hoje é tratar dos motivos gerais que levaram à produção de cada um dos quatro
evangelhos. Como já tivemos oportunidade de explicar, em outro estudo, o modelo
do tipo de literatura representado pelos Evangelhos não existia antes dos
mesmos. Eles representam um tipo de literatura exclusiva — chamada de Evangelho
— e não devem ser confundidos, em nenhuma hipótese, com o que costumamos chara
de biografias, sejam elas:
1. Autobiografias.
2. Biografias escritas por
terceiros.
3. Biografias históricas.
4. Biografias romanceadas.
5. Biografias não autorizadas.
6. Etc.
O fator que determinou o
surgimento específico desse tipo de literatura — os Evangelhos — foi o fato de
que durante o tempo em que os apóstolos estavam vivos e eram capazes de
autenticar, eles mesmos, os ensinamentos de Jesus ou acerca da vida e obra de
Jesus, não havia necessidade de nenhum material escrito. Mas com o passar do
tempo e com a expansão da Igreja, surgiu então a necessidade desses homens —
apóstolos — colocarem, por escrito — eles mesmos ou outros guiados por eles —
os elementos considerados imprescindíveis para que os seres humanos pudessem
entender o esplendor que foi a visita do Deus ETERNO em pessoa a esse nosso
mundo.
Uma coisa que precisamos ter
sempre em mente é que no Oriente Médio a palavra de boca tinha maior peso e
aceitação do que qualquer documento escrito. Por isso, era comum pensar em
colocar algo por escrito apenas após o falecimento daqueles que podiam ser
considerados testemunhas dos fatos, independentemente da natureza dos mesmos.
Nesse sentido, é possível que um considerável número de anos tenham se passado
entre os fatos acontecidos durante a vida e o ministério de Jesus e a decisão
de colocar tais informações me forma escrita. A questão relativa quanto às
datas prováveis em que cada um dos Evangelhos foi escrito será considerada mais
adiante, quando analisarmos cada um dos Evangelhos individualmente. Nesse
ponto, nós queremos nos dar ao direito de discordar da opinião de alguns
estudiosos que gostam de alegar, mas sem provas, que um período muito longo de tempo, onde a
informação foi passada apenas por meio de tradições orais, até que os
Evangelhos fossem escritos é necessário. Tal argumento serve para distanciar os
Evangelhos de seus verdadeiros autores e atribuí-los a terceiros que não foram
testemunhas oculares dos fatos narrados nos mesmos. Mas tal afirmação tola já
foi, completamente, desmantelada pelo Dr. John A. T. Robinson da Universidade
de Cambridge, na Inglaterra, em sua ainda não superada obra Redating The New Testament — Redatando o Novo Testamento.[1]
Conforme mencionamos acima, a
rápida e gigantesca expansão da Igreja Cristã por toda a Bacia do Mediterrâneo
e além, talvez tenha sido o motivo central porque se tornou imperativo produzir
narrativas da vida e obra de Jesus antes em vez de mais tarde. Considerando uma
situação daquele tempo, nos lemos na introdução do Evangelho de Lucas — que não
foi testemunha ocular dos fatos narrados — que antes dele escrever outros já
tinham se dedicado a esse trabalho e já existiam registros escritos —
provavelmente os Evangelhos de Marcos e Mateus. Todavia, é praticamente
impossível determinarmos um ano preciso para a primeira produção dessa nova
forma de literatura que chamamos de Evangelhos.
Por outro lado, existem muitos
estudiosos que alegam que, uma demora propositada existiu na produção dos
Evangelhos causada pelo que se acreditava seria a próxima vinda de Jesus, que
nos evangelhos é chamada de:
1. παρουσία — parousía — Presença, Vinda, Chegada ou Advento.
2. ἐπιφάνεια — epifáneia — Aparição,
Manofestação.
3. Ἀποκάλυψις — Apokálipsis — Revelação ou Ato de Tornar Descoberto ou
Exposto.
Caso essa vinda tão imediata
fosse mesmo aceita de modo geral, isso seria de fato, um grande desestímulo
para qualquer produção literária, especialmente do tipo que encontramos nos
Evangelhos. Por outro lado, quaisquer registros acerca da Igreja, só fariam
sentido depois que a mesma estivesse estabelecida e tivesse sua perpetuidade
garantida. Tudo isso é razoável, é provável, mas não existe nenhuma garantia
que esteja certo. Nós sabemos que
algumas Epístolas do Novo Testamente foram produzidas antes dos Evangelhos
serem escritos. Além disso, Jesus ensinou, de modo claro, que a sua παρουσία — parousía — Vinda, não aconteceria até que o Evangelho
fosse pregado em todo mundo. Diante disso temos que nos perguntar com toda
sinceridade: é pouco razoável pensarmos que alguns, muitos ou todos os
pregadores não poderiam se beneficiar de registros históricos escritos acerca
da vida e da obra do Senhor Jesus Cristo? Desse modo, podemos até inverter o
que foi dito acima. A produção dos Evangelhos em vez de ser atrasada por causa
da eminência da παρουσία — parousía — Vinda, pode
mesmo ter sido incentivada e acelerada por causa dessa mesma vida.
Mas existem outros motivos que
podem ser alegados a favor da opção “mais tarde” do que “mais cedo” para a
produção dos Evangelhos. Um desses motivos teria sido a escassez e alto custo
do material de escrita disponível — não deixe de ler nossa série acerca de
“COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS”. Mas esse problema persistiu por muito
tempo já que os papiros só foram completamente abandonados no século XI d.C. A
decisão acerca disso segue pelo caminho que o estudioso adota acerca de como o
material contido nos evangelhos foi compilado. Se o mesmo foi escrito por
testemunhas oculares ou por pessoas sob a supervisão e a orientação de
testemunhas oculares, então produção dos mesmos aconteceu antes. Mas se o autor
— nesse caso desconhecido — teve que ficar juntando pedaços de histórias, de
ensinamentos, de curas e etc., então é necessário que a data seja postergada
para mais tarde ou, pior, bem mais tarde.
Falemos agora, brevemente, acerca
dos motivos principais porque era necessário que os evangelhos fossem escritos,
e quanto mais cedo melhor. A necessidade do uso dos mesmos em processos de
discipulado deve ser evidente a todos. Sem querer diminuir a importância dada
pelos judeus para a comunicação oral, cremos que é difícil aceitar que as
pessoas de formação grega — a vasta maioria dos habitantes da bacia do Mar
Mediterrâneo — tivessem a inclinação de aceitar algo falado como sendo superior
a algo escrito. Não é difícil encontramos provas disso, dentro do próprio Novo
Testamento onde Paulo escreve dizendo:
Colossenses 4:12—13
12 Saúda-vos Epafras,
que é dentre vós, servo de Cristo Jesus, o qual se esforça sobremaneira,
continuamente, por vós nas orações, para que vos conserveis perfeitos e
plenamente convictos em toda a vontade de Deus.
13 E dele dou
testemunho de que muito se preocupa por vós, pelos de Laodiceia e pelos de
Hierápolis.
Colossenses 4:16
E, uma vez lida esta
epístola perante vós, providenciai por que seja também lida na igreja dos laodicenses;
e a dos de Laodiceia, lede-a igualmente perante vós.
Junto com as necessidades criadas
pelo discipulado, podemos ajuntar as necessidades criadas pela apologética ou
defesa da fé cristã, num mundo paganizado ao extremo. Deve ser óbvio que no meio
do paganismo as pessoas teriam interesse em conhecer melhor quem havia sido
Jesus. Disso surge a necessidade da existência de algum documento que tivesse
autoridade suficiente, em si mesmo, para trazer convicção ao coração daquelas
pessoas mergulhadas até o pescoço nas mais grossas idolatrias. Daí, a ideia de
um registro permanente mais cedo, não parece algo tão distante.
Indo mais além, alguns argumentam
que existia também uma necessidade litúrgica que clamava por algum tipo de
material escrito acerca da vida, dos ensinamentos e das obras realizadas por
Jesus. Independentemente de qual papel essa necessidade tenha realmente tido, o
fato é que desde cedo, temos registros — o livro dos Atos dos Apóstolos está
repleto deles — da importância de se usar passagens da vida de Jesus tanto na
adoração quanto na evangelização. Na Palestina essa necessidade podia ser
suprida diretamente pelos apóstolos, mas com a igreja se expandindo velozmente,
tornava-se a cada dia mais urgente a necessidade de registros históricos
verídicos e que pudessem ser recebidos pela autoridade que possuíam em si
mesmos.
Por fim podemos dizer que apesar
de reconhecer tanto a necessidade quanto a urgência para a produção de
Evangelhos, temos que deixar bem claro que apenas quatro deles foram
reconhecidos e aceitos como sendo legítimos e inspirados pelo Espírito Santo.
Não tenho certeza de quantos “evangelhos” de mentirinha existem, mas várias
dúzias deles foram produzidas. E porque não foram aceitos pela igreja? Porque
são fantasiosos, falta-lhes sobriedade, pois narram coisas fantásticas — que
tem feito a alegria dos produtores de Hollywood — além de estarem cheios de
práticas supersticiosas, de exclusivismo machista — como o afamado Evangelho de
Tomé — ou serem simplesmente documentos falsos — como é o caso do recente
chamado “Evangelho de Judas” que foi escrito 400 anos depois dos fatos! Esses
evangelhos estão classificados ou como apócrifos — que estavam escondidos até
serem descobertos — ou como pseudoepigráficos — cuja autoria verdadeira não é a
alegada no próprio livro, como acontece com o falso “Evangelho de Judas”, que
não foi escrito por Judas, por razões óbvias e sim por um suposto filho dele.
Mas não há evidências que Judas foi casado ou mesmo que teve filho ou filhos
com alguma mulher. Além disso, está provado que o material é o do século V d.
C., ou seja, está distante cerca de quase 400 ou mais não dos fatos que
pretende narrar. Por esses motivos e
muito outros que o tempo e o espaço não nos permite discutir aqui e agora, a
Igreja Cristã, sabiamente considerou todos eles com sendo espúrios. Mesmo
assim, estudiosos como Joachim Jeremias acreditam que sepultados no meio do cipoal
representado por esses falsos evangelhos, talvez nos seja possível descobrir
alguma frase ou dito original de Jesus que não consta nos evangelhos canônicos.
Sirvam-se e fiquem a vontade[2].
CONTINUA...
OUTROS ESTUDOS ACERCA DA INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — PARTE 001 — INTRODUÇÃO GERAL AOS EVANGELHOS — ESTUDO 001
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — PARTE 002 — A FORMA LITARÁRIA DOS EVANGELHOS
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — PARTE 003 — MOTIVOS PORQUE OS EVANGELHOS FORAM ESCRITOS
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — PARTE 004 — O LUGAR OCUPADO PELOS QUATRO EVANGELHOS NO NOVO TESTAMENTO
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — PARTE 005 — A MELHOR FORMA DE ABORDAR OS QUATRO EVANGELHOS
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 006 – INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 001
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 007 – INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 002
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 008 – INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 003
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 009 – INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 004
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 010 – INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 005
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 011 – INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 006
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 012 – INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 007
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 013 — INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 008
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 014 — INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 009
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 015 — INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — MATEUS — PARTE 010 — AUTOR — PARTE 002
INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 016 — INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — MATEUS — PARTE 011 — DATA DA COMPOSIÇÃO
Que Deus abençoe a todos.
Alexandros Meimaridis
PS. Pedimos a todos os nossos leitores que puderem que “curtam” nossa
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Desde já agradecemos a todos.
É diminuta a elite desconhecida dos bandeirantes do evangelho. É e sempre foi. Talvez será sempre. Chiquérrimo isto!. O enigma nos enleva, nos atropela e nos instiga ou nos mantém à distância e totalmente indiferentes. Por vezes somos à margem da história, auto-suficientes, arrogantes, ingênuos, inocentes, competentes e inconscientes e por vezes até insolentes. Com muita ética de uma União Soviética, somos que nem revolver na mão de macaco malabarista, damos tiros pra todo lado, inclusive contra nós mesmos...
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