quarta-feira, 10 de junho de 2015

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 003 – INTRODUÇÃO OS EVANGELHOS — OS MOTIVOS QUE LEVARAM ATÉ A PRODUÇÃO DOS EVANGELHOS



Essa série pretende disponibilizar as informações mais importantes acerca de cada um dos 27 livros que compõem o Novo Testamento. Desde que lançamos nossa série de Introdução ao Antigo Testamento, muitos leitores têm nos questionando acerca de algum material semelhante com respeito ao Novo Testamento. Então, aproveitando que iniciamos uma série de estudos acerca dos manuscritos do Novo Testamento — tecnicamente chamada de “baixa crítica” — estamos usando essa oportunidade para lançar uma série que trate também do texto do Novo Testamento em si, e da interpretação geral do mesmo — “alta crítica”.

I. OS EVANGELHOS

C. OS MOTIVOS PORQUE OS EVANGELHOS FORAM ESCRITOS

Como pretendemos discutir os propósitos que levaram à produção de cada um dos evangelhos de forma independente, quando estudarmos cada um deles especificamente, nosso interesse hoje é tratar dos motivos gerais que levaram à produção de cada um dos quatro evangelhos. Como já tivemos oportunidade de explicar, em outro estudo, o modelo do tipo de literatura representado pelos Evangelhos não existia antes dos mesmos. Eles representam um tipo de literatura exclusiva — chamada de Evangelho — e não devem ser confundidos, em nenhuma hipótese, com o que costumamos chara de biografias, sejam elas:

1. Autobiografias.

2. Biografias escritas por terceiros.

3. Biografias históricas.

4. Biografias romanceadas.

5. Biografias não autorizadas.

6. Etc.

O fator que determinou o surgimento específico desse tipo de literatura — os Evangelhos — foi o fato de que durante o tempo em que os apóstolos estavam vivos e eram capazes de autenticar, eles mesmos, os ensinamentos de Jesus ou acerca da vida e obra de Jesus, não havia necessidade de nenhum material escrito. Mas com o passar do tempo e com a expansão da Igreja, surgiu então a necessidade desses homens — apóstolos — colocarem, por escrito — eles mesmos ou outros guiados por eles — os elementos considerados imprescindíveis para que os seres humanos pudessem entender o esplendor que foi a visita do Deus ETERNO em pessoa a esse nosso mundo.

Uma coisa que precisamos ter sempre em mente é que no Oriente Médio a palavra de boca tinha maior peso e aceitação do que qualquer documento escrito. Por isso, era comum pensar em colocar algo por escrito apenas após o falecimento daqueles que podiam ser considerados testemunhas dos fatos, independentemente da natureza dos mesmos. Nesse sentido, é possível que um considerável número de anos tenham se passado entre os fatos acontecidos durante a vida e o ministério de Jesus e a decisão de colocar tais informações me forma escrita. A questão relativa quanto às datas prováveis em que cada um dos Evangelhos foi escrito será considerada mais adiante, quando analisarmos cada um dos Evangelhos individualmente. Nesse ponto, nós queremos nos dar ao direito de discordar da opinião de alguns estudiosos que gostam de alegar, mas sem provas,  que um período muito longo de tempo, onde a informação foi passada apenas por meio de tradições orais, até que os Evangelhos fossem escritos é necessário. Tal argumento serve para distanciar os Evangelhos de seus verdadeiros autores e atribuí-los a terceiros que não foram testemunhas oculares dos fatos narrados nos mesmos. Mas tal afirmação tola já foi, completamente, desmantelada pelo Dr. John A. T. Robinson da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, em sua ainda não superada obra Redating The New TestamentRedatando o Novo Testamento.[1]

Conforme mencionamos acima, a rápida e gigantesca expansão da Igreja Cristã por toda a Bacia do Mediterrâneo e além, talvez tenha sido o motivo central porque se tornou imperativo produzir narrativas da vida e obra de Jesus antes em vez de mais tarde. Considerando uma situação daquele tempo, nos lemos na introdução do Evangelho de Lucas — que não foi testemunha ocular dos fatos narrados — que antes dele escrever outros já tinham se dedicado a esse trabalho e já existiam registros escritos — provavelmente os Evangelhos de Marcos e Mateus. Todavia, é praticamente impossível determinarmos um ano preciso para a primeira produção dessa nova forma de literatura que chamamos de Evangelhos.

Por outro lado, existem muitos estudiosos que alegam que, uma demora propositada existiu na produção dos Evangelhos causada pelo que se acreditava seria a próxima vinda de Jesus, que nos evangelhos é chamada de:

1. παρουσίαparousía — Presença, Vinda, Chegada ou Advento.

2. ἐπιφάνεια  — epifáneia — Aparição, Manofestação.

3. Ἀποκάλυψις  — Apokálipsis — Revelação ou Ato de Tornar Descoberto ou Exposto.

Caso essa vinda tão imediata fosse mesmo aceita de modo geral, isso seria de fato, um grande desestímulo para qualquer produção literária, especialmente do tipo que encontramos nos Evangelhos. Por outro lado, quaisquer registros acerca da Igreja, só fariam sentido depois que a mesma estivesse estabelecida e tivesse sua perpetuidade garantida. Tudo isso é razoável, é provável, mas não existe nenhuma garantia que esteja certo.  Nós sabemos que algumas Epístolas do Novo Testamente foram produzidas antes dos Evangelhos serem escritos. Além disso, Jesus ensinou, de modo claro, que a sua παρουσίαparousía — Vinda, não aconteceria até que o Evangelho fosse pregado em todo mundo. Diante disso temos que nos perguntar com toda sinceridade: é pouco razoável pensarmos que alguns, muitos ou todos os pregadores não poderiam se beneficiar de registros históricos escritos acerca da vida e da obra do Senhor Jesus Cristo? Desse modo, podemos até inverter o que foi dito acima. A produção dos Evangelhos em vez de ser atrasada por causa da eminência da παρουσίαparousía — Vinda, pode mesmo ter sido incentivada e acelerada por causa dessa mesma vida.

Mas existem outros motivos que podem ser alegados a favor da opção “mais tarde” do que “mais cedo” para a produção dos Evangelhos. Um desses motivos teria sido a escassez e alto custo do material de escrita disponível — não deixe de ler nossa série acerca de “COMO O NOVO TESTAMENTO CHEGOU ATÉ NÓS”. Mas esse problema persistiu por muito tempo já que os papiros só foram completamente abandonados no século XI d.C. A decisão acerca disso segue pelo caminho que o estudioso adota acerca de como o material contido nos evangelhos foi compilado. Se o mesmo foi escrito por testemunhas oculares ou por pessoas sob a supervisão e a orientação de testemunhas oculares, então produção dos mesmos aconteceu antes. Mas se o autor — nesse caso desconhecido — teve que ficar juntando pedaços de histórias, de ensinamentos, de curas e etc., então é necessário que a data seja postergada para mais tarde ou, pior, bem mais tarde.

Falemos agora, brevemente, acerca dos motivos principais porque era necessário que os evangelhos fossem escritos, e quanto mais cedo melhor. A necessidade do uso dos mesmos em processos de discipulado deve ser evidente a todos. Sem querer diminuir a importância dada pelos judeus para a comunicação oral, cremos que é difícil aceitar que as pessoas de formação grega — a vasta maioria dos habitantes da bacia do Mar Mediterrâneo — tivessem a inclinação de aceitar algo falado como sendo superior a algo escrito. Não é difícil encontramos provas disso, dentro do próprio Novo Testamento onde Paulo escreve dizendo:

Colossenses 4:12—13

12 Saúda-vos Epafras, que é dentre vós, servo de Cristo Jesus, o qual se esforça sobremaneira, continuamente, por vós nas orações, para que vos conserveis perfeitos e plenamente convictos em toda a vontade de Deus.

13 E dele dou testemunho de que muito se preocupa por vós, pelos de Laodiceia e pelos de Hierápolis.

Colossenses 4:16

E, uma vez lida esta epístola perante vós, providenciai por que seja também lida na igreja dos laodicenses; e a dos de Laodiceia, lede-a igualmente perante vós.
    
Junto com as necessidades criadas pelo discipulado, podemos ajuntar as necessidades criadas pela apologética ou defesa da fé cristã, num mundo paganizado ao extremo. Deve ser óbvio que no meio do paganismo as pessoas teriam interesse em conhecer melhor quem havia sido Jesus. Disso surge a necessidade da existência de algum documento que tivesse autoridade suficiente, em si mesmo, para trazer convicção ao coração daquelas pessoas mergulhadas até o pescoço nas mais grossas idolatrias. Daí, a ideia de um registro permanente mais cedo, não parece algo tão distante.

Indo mais além, alguns argumentam que existia também uma necessidade litúrgica que clamava por algum tipo de material escrito acerca da vida, dos ensinamentos e das obras realizadas por Jesus. Independentemente de qual papel essa necessidade tenha realmente tido, o fato é que desde cedo, temos registros — o livro dos Atos dos Apóstolos está repleto deles — da importância de se usar passagens da vida de Jesus tanto na adoração quanto na evangelização. Na Palestina essa necessidade podia ser suprida diretamente pelos apóstolos, mas com a igreja se expandindo velozmente, tornava-se a cada dia mais urgente a necessidade de registros históricos verídicos e que pudessem ser recebidos pela autoridade que possuíam em si mesmos.

Por fim podemos dizer que apesar de reconhecer tanto a necessidade quanto a urgência para a produção de Evangelhos, temos que deixar bem claro que apenas quatro deles foram reconhecidos e aceitos como sendo legítimos e inspirados pelo Espírito Santo. Não tenho certeza de quantos “evangelhos” de mentirinha existem, mas várias dúzias deles foram produzidas. E porque não foram aceitos pela igreja? Porque são fantasiosos, falta-lhes sobriedade, pois narram coisas fantásticas — que tem feito a alegria dos produtores de Hollywood — além de estarem cheios de práticas supersticiosas, de exclusivismo machista — como o afamado Evangelho de Tomé — ou serem simplesmente documentos falsos — como é o caso do recente chamado “Evangelho de Judas” que foi escrito 400 anos depois dos fatos! Esses evangelhos estão classificados ou como apócrifos — que estavam escondidos até serem descobertos — ou como pseudoepigráficos — cuja autoria verdadeira não é a alegada no próprio livro, como acontece com o falso “Evangelho de Judas”, que não foi escrito por Judas, por razões óbvias e sim por um suposto filho dele. Mas não há evidências que Judas foi casado ou mesmo que teve filho ou filhos com alguma mulher. Além disso, está provado que o material é o do século V d. C., ou seja, está distante cerca de quase 400 ou mais não dos fatos que pretende narrar.  Por esses motivos e muito outros que o tempo e o espaço não nos permite discutir aqui e agora, a Igreja Cristã, sabiamente considerou todos eles com sendo espúrios. Mesmo assim, estudiosos como Joachim Jeremias acreditam que sepultados no meio do cipoal representado por esses falsos evangelhos, talvez nos seja possível descobrir alguma frase ou dito original de Jesus que não consta nos evangelhos canônicos. Sirvam-se e fiquem a vontade[2].   

CONTINUA...  

OUTROS ESTUDOS ACERCA DA INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — PARTE 001 — INTRODUÇÃO GERAL AOS EVANGELHOS — ESTUDO 001

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — PARTE 002 — A FORMA LITARÁRIA DOS EVANGELHOS

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — PARTE 003 — MOTIVOS PORQUE OS EVANGELHOS FORAM ESCRITOS

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — PARTE 004 — O LUGAR OCUPADO PELOS QUATRO EVANGELHOS NO NOVO TESTAMENTO

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — PARTE 005 —  A MELHOR FORMA DE ABORDAR OS QUATRO EVANGELHOS

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 006 – INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 001

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 007 – INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 002

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 008 – INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 003

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 009 – INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 004

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 010 – INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 005

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 011 – INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 006

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 012 – INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 007

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 013 — INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 008

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 014 — INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — INTRODUÇÃO AO EVANGELHO DE MATEUS — PARTE 009

INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 015 — INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — MATEUS — PARTE 010 — AUTOR — PARTE 002



INTRODUÇÃO AO NOVO TESTAMENTO — ESTUDO 016 — INTRODUÇÃO AOS EVANGELHOS — MATEUS — PARTE 011 — DATA DA COMPOSIÇÃO

Que Deus abençoe a todos.

Alexandros Meimaridis

PS. Pedimos a todos os nossos leitores que puderem que “curtam” nossa página no Facebook através do seguinte link:


Desde já agradecemos a todos.


[1] Robinson, Jonh. A. T. Redating the New Testament. The Westminster Press, Philadelphia, 1988.
[2] Jeremias, J. Unknown Sayings of Jesus. Wipf & Stock Pub., Eugene, 2008.

Um comentário:

  1. É diminuta a elite desconhecida dos bandeirantes do evangelho. É e sempre foi. Talvez será sempre. Chiquérrimo isto!. O enigma nos enleva, nos atropela e nos instiga ou nos mantém à distância e totalmente indiferentes. Por vezes somos à margem da história, auto-suficientes, arrogantes, ingênuos, inocentes, competentes e inconscientes e por vezes até insolentes. Com muita ética de uma União Soviética, somos que nem revolver na mão de macaco malabarista, damos tiros pra todo lado, inclusive contra nós mesmos...

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